A experiência depressiva: um caminho além do diagnóstico
- Cristina Martins Tavelin
- 17 de jan. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de abr. de 2024

“Sinto-me vazio”. Essa frase, dita com frequência por pacientes deprimidos, não passou despercebida à escuta cuidadosa do psicanalista francês Pierre Fédida (1934-2002). “’Sair do meu vazio’, diz outro paciente, ‘aconteceria se alguém furasse o invólucro onde estou’”¹. Do que se trata esse tempo congelado de um “vazio”? Passando por áreas como a fenomenologia e a estética, o analista notou indícios de algo essencial à vida psíquica a partir dessa metáfora.
Na atualidade, há um foco constante nas medicações que prometem dar conta desse estado psíquico. Certamente, o suporte da medicação é necessário durante o tratamento dos casos mais graves; mas, será que não devemos tentar compreender o significado desse “estar deprimido”? Não seria superficial reduzir a depressão à uma simples questão de neurotransmissores?
É no sentido de trazer uma discussão mais ampla e interdisciplinar que alguns psicanalistas têm trabalhado nas últimas décadas. Interessante notar, como já destacava o psicanalista inglês D. W. Winnicott, que a depressão faz parte da vida psíquica de uma pessoa saudável². Fédida aponta ainda que esta é uma doença essencialmente humana no sentido em que visa preservar a pessoa da violência de outros estados psíquicos, como a mania e a melancolia. Há uma “’simulação’ da morte para se proteger da morte”³.
O autor pensa a depressão como a uma espécie de ponto zero a partir do qual as nuances do psiquismo podem ter lugar. Para facilitar a compreensão dessa ideia, toma como exemplo os espaços em branco que o pintor Paul Cezanne utilizava em suas telas para imprimir força e profundidade na relação com as cores: no jogo entre vazio (branco) e vitalidade (cor) é que reside a potência da pintura4. É preciso de uma base para a dinâmica da vida psíquica se dê, uma tela. A grande questão é quando nada acontece a partir daí, quando se fica apenas no branco do espaço.
Mas tal quadro tem formas variadas para emergir. O tempo congelado do depressivo, por vezes, está sob a aparência da aceleração, daquele que não para por um segundo. A atividade que tende ao excesso pode esconder uma imobilidade de fundo, uma vigília permanente. Nas palavras poéticas de outro paciente de Fédida, “Imaginava a mim mesmo como um incêndio gigantesco cujas cinzas eu não deixava, nem por um instante, de vigiar”⁵.
Em contraponto a esse estado basal, de um tempo congelado, a depressividade é justamente a capacidade de compor ritmos, movimentos – traz uma ideia de altos e baixos, assim como há elevações após as depressões geográficas. Segundo Fédida, é “a constituição da experiência da perda e da transformação da vivência interior por ela”⁶. A depressividade é a própria possibilidade de sonhar, de criar, de jogar com os acontecimentos cotidianos, e exige uma temporalidade própria de cada sujeito.
Nesse sentido, não há fórmulas instantâneas para a saída do congelamento psíquico que a depressão pode causar; há, sim, a possibilidade da construção de caminhos singulares a partir de cada história de vida. Recordando a fala de um paciente citado no início desse texto — sobre um outro para furar o “invólucro do vazio” –, também fica evidente a importância do suporte do outro nessa caminhada, que fica muito mais áspera, talvez impossível, de forma solitária.
Referências:
Imagem: La Montagne Sainte-Victoire vue des Lauves, de Paul Cézanne (© 2017 MoMA, N.Y.)
¹ FÉDIDA, P. Depressão. São Paulo: Escuta, 2003, p.74
2 WINNICOTT, D. W. O valor da depressão. In: _ Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
3 FÉDIDA, P. Depressão, p. 39
4 Ibid., p.111
5 Ibid., p.17
6 FÉDIDA, P. Dos benefícios da depressão. São Paulo: Escuta, 2009, p.28
Comments